Por: Antônio Rausch, Integrante do Nuh. Psicólogo (CRP-04/60382), Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Foto: Fabio Fistarol/Unsplash.
Na última segunda-feira, dia 8 de abril de 2024, o Vaticano publicou a Declaração “Dignitas Infinita” sobre a Dignidade Humana. O documento, aprovado pelo papa Francisco, busca “trazer à luz as diferentes faces da dignidade humana que estão obscuras na consciência de muitas pessoas”.
O documento aborda diversas problemáticas sociais e políticas contemporâneas, como o abuso sexual, violência contra as mulheres, bullying, pobreza, guerras, tráfico humano, violação dos direitos de pessoas com deficiência e a crise migratória. Ao mesmo tempo, reitera o posicionamento do Vaticano contra o aborto, eutanásia, gravidez de substituição e procedimentos de redesignação sexual.
A declaração também aponta as ameaças da “Teoria de Gênero”, e afirma que as “tentativas de introduzir novos direitos que são incoerentes” e “inaceitáveis” na Declaração Universal de Direitos Humanos. Segundo o documento, esta teoria “conduziu novas formas de colonização intelectual”, ameaçadoras, que buscam “destruir a diferença através da afirmação da igualdade entre todos”.
Esta afirmação da igualdade buscaria, segundo o Vaticano, “eliminar a diferença sexual”, a “mais bela” e “poderosa” das diferenças, representada no “milagre da chegada de um novo ser humano”. A partir da afirmação da vida humana como uma dádiva, a autodeterminação de gênero é descrita como uma ingratidão, uma vez que estaria contrária à graça divina, continuando a tentativa milenar de “transformar-se em Deus”.
Ao final de 2023, o papa Francisco publicou a orientação de conceder bênção aos casais de mesmo sexo. A “decisão histórica”, como descrita por alguns veículos de jornalismo, ainda permite aos padres recusarem à fazer o ritual, que não tem nenhuma semelhança à cerimônia de casamento. A benção é descrita como um sinal da misericórdia divina, como o documento afirma, um “sinal de que Deus acolhe a todos”.
A declaração “Dignitas Infinita” foi elaborada como uma resposta à declaração anterior do Vaticano, de dezembro de 2023. Desta vez, o texto apontou as políticas de reconhecimento da diversidade de gênero como “ameaças” à “família” e “natureza”, inclusive como violações que ameaçam o reconhecimento social e político da homossexualidade. Apesar da aparente “contradição”, os dois documentos mantém o posicionamento da Igreja Católica defendendo concepções de gênero, sexualidade e família tradicionais.
Enquanto afirma-se que “Deus acolhe a todos”, o Vaticano nega-se a reconhecer as expressões de gênero de pessoas trans como legítimas, e as uniões homossexuais como casamentos, afirmando que estes seriam ameaças à família e à graça divina. Em suma, mantém-se a interpretação bíblica de que “Deus não faz acepção de pessoas”, mas que lhe agrada aqueles que, em qualquer nação, seguem o que é “justo” (expressa no livro de Atos dos Apóstolos, 10:34-35), O que vêm a ser “justo” e “agradável” segue como um campo normativo e político a ser disputado dentro da Igreja.