O caso Guaraci do Nascimento
Luiz Morando
Luiz Morando é professor de Literatura Brasileira no curso de Letras do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). Mestre em Literatura Brasileira e doutor em Literatura Comparada pela UFMG. Em 2008, publicou Paraíso das Maravilhas: uma leitura do Crime do Parque, no qual reconstitui a história de famoso crime, com conotações homoeróticas, ocorrido na capital mineira em 1946. Desde o início da década de 1990 tem se dedicado à pesquisa para recuperação da memória das identidades do segmento LGBT em Belo Horizonte.Na década de 1920, no Rio de Janeiro, Febrônio Índio do Brasil cometeu crimes sexuais contra dois adolescentes em rituais no qual acreditava purificar-se. O caso provocou consternação no país e fixou-se fortemente no imaginário social, a ponto de os pais dizerem com frequência aos filhos desobedientes: “Cuidado que o Febrônio vem te pegar!”. A partir dos anos 30, em Belo Horizonte, Guaraci do Nascimento cometeu diversos crimes de atentado ao pudor contra crianças e adolescentes, tendo sido investigadoe processado pela prática de alguns deles. Baseado na imprensa e em autos inquisitoriais e judiciais, este artigo tenta reconstituir, por meio do relato de caso, a figura de Guaraci do Nascimento e sua atuação ao longo de 60 anos na capital mineira.
‘Cuidado que o Febrônio vem te pegar!’
Em 17 de agosto de 1927, diversos jornais cariocas iniciaram a cobertura de um assassinato que projetou uma das figuras mais extravagantes da crônica policial brasileira. No dia anterior, o corpo do menor Alamiro José Ribeiro fora encontrado seminu, em uma mata de Jacarepaguá, estrangulado com um pedaço de cipó. Os jornais de maior tiragem do Rio de Janeiro – Correio da Manhã, O Jornal, O Paiz e A Noite – desempenharam um papel importante na reprodução de informações transmitidas por policiais envolvidos nas investigações ou reunidas pelas próprias investigações dos repórteres.
A leitura desses jornais e de outras produções acadêmicas permite reconstituir uma síntese desse personagem lendário. Tratava-se do fio de uma história que seria puxado durante agosto e setembro de 1927 e que apresentaria ao público a biografia e a personalidade de Febrônio Ferreira de Matos, mais conhecido como Febrônio Índio do Brasil. Negro e pobre, segundo filho de uma prole de 14, Febrônio nasceu muito provavelmente em 14 de janeiro de 1895, em São Miguel de Jequitinhonha (MG). Aos 12 anos fugiu de casa para escapar ao gênio irascível e violento do pai. Passou por algumas cidades do interior e pela capital mineira até chegar ao Rio de Janeiro, provavelmente em 1909. O mais certo é que a partir de 1916, já fixado definitivamente no Rio de Janeiro, Febrônio cometeu pequenos delitos e sobreviveu de biscates, tendo sido “fichado” em diversas passagens pela polícia por estelionato, extorsão, furto, roubo e vadiagem.
Em 1920, em uma de suas passagens pelo cárcere, na Colônia Correcional Dois Rios, na Ilha Grande, Febrônio passa a estudar a Bíblia e tem uma de suas primeiras visões: uma mulher loira, de longos cabelos, o intitula Filho da Luz e o incumbe de declarar a todos que Deus não havia morrido. Ela ainda o orienta a se tatuar, bem como a alguns meninos, com o símbolo DCVXVI, cujo sentido era Deus, Caridade, Virtude, Santidade, Vida, Ímã da Vida. Tão logo possível e obedecendo à sua visão, Febrônio tatuou a frase „Eis o Filho da Luz‟ em seu tórax e aquelas letras na circunferência de seu abdômen. Após sair da Colônia, entre 1921 e 1926, atuou como falso dentista e falso médico no Rio, na Bahia, no Espírito Santo e em Minas Gerais, tendo chegado a provocar a morte de uma mulher em trabalho de parto.
Em outubro de 1926, de volta ao Rio de Janeiro, é recolhido ao Hospital Nacional de Psicopatas após ser detido em atitude suspeita no morro do Pão de Açúcar. Durante sua internação, apresentava ideias delirantes e foi diagnosticado como doente mental. Poucas semanas depois foi liberado. Em janeiro de 1927, preso na 4a Delegacia Auxiliar do Rio de Janeiro, subjugou sexualmente dois companheiros adultos de cela, e, ao tentar seviciar um terceiro, menor, este opôs resistência, razão pela qual foi espancado até a morte. Posto em liberdade provisória, entre fevereiro e julho, tatuou três adolescentes de 17 anos com aquelas letras sagradas, sempre os atraindo com a promessa de emprego.
2Finalmente, a 13 de agosto de 1927, utilizando-se do mesmo subterfúgio, Febrônio atraiu o jovem Alamiro José Ribeiro, de 20 anos, e levou-o à Ilha do Ribeiro, em Jacarepaguá. Por ter resistido à investida sexual de Febrônio, Alamiro foi estrangulado e seu corpo encontrado dois dias depois. Ainda no dia 15 de agosto, Febrônio tatuou as mesmas letras em um adolescente de 16 anos, que conseguiu fugir antes de ser seviciado. Em 29 de agosto, o menor João Ferreira, de 10 anos, foi tatuado e morto por estrangulamento na mesma Ilha do Ribeiro, mas seu corpo foi descoberto apenas em 7 de setembro, a 300 metros do local onde Alamiro perecera.
Como dito acima, a 17 de agosto os jornais deram o alerta. No dia 31 de agosto, Febrônio foi preso. Durante esses 14 dias, os jornais acompanharam detalhadamente, em ritmo de folhetim, o crime hediondo que tanto assustou a população. A partir da prisão de Febrônio e de sua confissão, no dia 2 de setembro, os jornais vão identificá-lo como tarado, degenerado, sádico, de ferozes instintos, besta-fera, monstro, celerado. A cobertura febril da imprensa estender-se-á à vida pregressa do criminoso e recolherá os depoimentos de pessoas que tiveram contato com Febrônio no último mês. Esse levantamento ajudará a fixar a imagem de indivíduo sem consciência, frio e psicopata. A imprensa rapidamente busca a opinião de médicos e psiquiatras a fim de traçar um perfil do criminoso segundo os anais científicos. Assim O Jornal reproduz a impressão do neurologista Faustino Espozel: indivíduo “degenerativo, de personalidade psicopática e estado mental originário, com a expressão de aberrações sexuais, de sadismo e desequilíbrio mental”.2 Para o psiquiatra Henrique Roxo, Febrônio apresentava “estado atípico de degeneração”, sendo considerado um “degenerado e pervertido sexual, um louco raciocinante”.3
Em 19 de setembro de 1927, Febrônio é denunciado pelo Ministério Público. Seu advogado de defesa pediu seu internamento em um manicômio judiciário, alegando que, por ser louco, o Estado não poderia pronunciá-lo nem condená-lo. O Filho da Luz foi examinado pelo psiquiatra forense Heitor Carrilho. A conclusão de seu laudo aponta o seguinte:
1o – Febronio Índio do Brasil é portador de uma psychophatia constitucional, caracterisada por desvios ethicos, revestindo a forma da “loucuras moral” e perversões instintivas, expressas no homossexualismo com impulsões sádicas
2BASTOS, Gláucia Soares. Como se escreve Febrônio. 1994. 175f. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1994. p. 54. 3Ibid., p. 55.
– estado esse a que se juntam idéas delirantes da imaginação, de caracter mystico. 2o – As suas reacções anti-sociaes ou os actos delictuosos de que se acha acussado, resultam desta condição mórbida que lhe não permite a normal utilisação de sua vontade.
3o – Em consequência, a sua capacidade de imputação se acha prejudicada ou dirimida. 4o – Deve-se em conta, porém, que as manifestações anormaes de sua mentalidade, são elementos que definem a sua inilludivel temibilidade e que, portanto, deve elle ficar segregado ad vitam para os effeitos salutares e elevados da defesa social, em estabelecimento apropriado a psychophatia delinquentes.4
No dia 6 de junho de 1929, ele foi encerrado no Manicômio Judiciário (que mais tarde viria a ser nomeado Heitor Carrilho), onde permaneceu até 27 de agosto de 1984, quando morreu de enfisema pulmonar. Durante quatro dias, entre 5 e 9 de fevereiro de 1935, Febrônio fica foragido. A lenda criada em torno de sua imagem e de seu nome já havia circulado amplamente. Desde a associação de sua figura à do bicho-papão, para atemorizar crianças, passando pela paródia de uma marchinha do carnaval de 1928 – “Eu fui no mato, crioula”,5 confluindo à admiração do poeta francês Blaise Cendrars, que o entrevistou na Casa de Detenção e preparou quatro reportagens para o France Soir – todas essas apropriações indicam certo fascínio e repulsa que sua vida permitiu registrar, tornando-o uma espécie de lenda.
Guaraci do Nascimento, o Zéquitiqué
Uma comprovação de que a lenda de Febrônio ficara fixada na memória da população é o título da reportagem do jornal Correio Mineiro, em 14 de janeiro de 1934, cinco anos após seu encarceramento no Manicômio Judiciário e um ano antes de sua fuga: “Monstro! Manoel Nascimento é um emulo de Febronio”. A pequena reportagem faz parte do que o jornalista chama de caravana do Correio Mineiro, ou seja, a busca diária por fatos nos bairros da capital. No dia anterior o repórter presenciara um pequeno tumulto na confluência de duas ruas no
4 CASOY, Ilana. Serial killers: made in Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2009. p. 366. 5 A primeira parte da marcha, com letra de J. Gomes Júnior e gravada por Francisco Alves, é a seguinte: “Eu fui no mato, crioula/ Cortar cipó, crioula/ Eu vi um bicho, crioula/ De um olho só/ Não era bicho, crioula/ Não era nada, crioula,/ Era uma velha, crioula/ Muito assanhada.” Pedro Nava registra a seguinte versão: “Eu fui no mato/ crioula!/ buscar cipó/ crioula!/ eu vi um bicho/ crioula!/ d‟um olho só!/ Não era bicho,/ não era nada/ era o Febrônio/ de calças largas…”.Cf. NAVA, Pedro. O círio perfeito. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.
4bairro Carlos Prates. Um rapaz de 18 anos, negro, assistente de pedreiro, de nome Manoel Nascimento, havia sido levado, naquele momento, para a delegacia do 3o Distrito, no Barro Preto. Em meio ao ajuntamento das pessoas, na foto registrada na matéria, uma senhora negra aparentava aflição. O jornalista reproduz seu lamento assim: “- Meu senhor, o menino é o meu único arrimo, e de nada sei que o possa desabonar. O que dizem dele são invencionices. Peço- lhe que tire o meu filho da cadeia.”6
Segundo a averiguação relatada pelo jornalista, João José Baptista havia registrado notícia-crime contra Manoel. Preocupado com a demora do filho, que havia sido mandado ao botequim fazer compras, o pai ficara sabendo que o menino havia encontrado Manoel na rua.
Segundo o que depois se apurou, o garoto havia sido seduzido por Manoel, que o levára até seu quarto com intenções inconfessáveis.
Havendo-se rebelado o menino, foi maltratado pelo inescrupuloso individuo, que chegou a espanca-lo.
No livro de queixas, consta, ainda, que não é a primeira vês que usa Manoel de semelhantes ardis, para atrair crianças ao seu quarto.7
Esta foi a primeira e a última vez que a articulação entre Febrônio e Manoel se efetuou. Mas é certamente curioso que essa relação tenha sido feita e desapareça com o tempo, pois a história subliminar é muito semelhante. De fato, dois elementos não se repetem entre os dois personagens: os assassinatos e a visão mística. Mas há diversos outros pontos em comum, como veremos ao longo deste artigo.
Na cobertura jornalística, este caso não foi acompanhado por outros jornais e o próprio Correio Mineiro não deu prosseguimento aos seus desdobramentos. Dezessete anos depois, em 21 de outubro de 1951, duas folhas diárias noticiam um atentado violento ao pudor contra um menor ocorrido no dia anterior. De modo geral, a história é a seguinte: no bairro Serra, o menor Antônio Fernandes Pinheiro, de 10 anos, saíra para fazer compras a pedido de sua mãe, Isabel. Preocupada com a demora do filho, ela sai à sua procura e encontra um garoto que vira Antônio em companhia de um “homem preto” em uma construção. Chegando ao local indicado, a mãe encontra o filho sendo violado por um adulto. Ela retira o filho do local e chama a radiopatrulha.
6Correio Mineiro, [Belo Horizonte], p. 8, 14 jan. 1934. 7Correio Mineiro, [Belo Horizonte], p. 8, 14 jan. 1934.
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Dos dois jornais que noticiaram o fato, algumas similaridades são significativas. O Diário de Minas anuncia no título de sua reportagem: “Preso quando tentava abusar da inocência de um menor – O tarado, já conhecido da Polícia, é contumaz na prática de seus repelentes crimes – Sobe a duas dezenas o número de vítimas do perigoso indivíduo”8. Em seu texto, o repórter assinala que o “repelente indivíduo” já fora tema da crônica policial há cerca de cinco anos pelo mesmo motivo. Segundo o que foi apurado ainda pelo jornalista, “o número de vítimas do asqueroso elemento sobe a mais de duas dezenas, sendo sua fama largamente conhecida em todos os bairros da cidade.”9 Por fim, o nome divulgado do “monstro” é Guaraci do Nascimento, também conhecido como Guará.
Por sua vez, o Estado de Minas intitula assim sua reportagem: “Preso um degenerado – Tentava violentar um menor”10. No interior do texto, uma frase se destaca: “Ficou apurado que Guaraci do Nascimento é indivíduo de maus instintos e vivia abordando menores próximo da construção, onde é rondante.”
Os atributos associados a Guaraci são semelhantes: degenerado, repelente, monstro. Esses termos eram muito comuns para a época, não apenas pela ressonância médico-científica, mas também por outras ocorrências de atentado ao pudor com violência contra menores registradas ao longo das décadas de 50 e 60 na cidade. Tanto o código da imprensa quanto o da área policial-judiciária tomarão como referência uma visão científica baseada na medicina e na psiquiatria para denominar os indivíduos que cometem esses atos. No entanto, o que mais chama a atenção é o alcance da memória da imprensa, o que o texto do Diário de Minas permite avaliar com muita clareza: Guaraci já agia na cidade há mais ou menos cinco anos e já fizera mais de 20 vítimas. No entanto, essa memória, ou o modo de registrar os fatos, não é muito confiável, pois uma leitura menos atenta leva a deduzir que aquele número de vítimas foi computado nos últimos cinco anos, o que sugere um altíssimo grau de inoperância ou leniência da polícia e do setor judiciário, o que não seria propriamente o caso, como será visto adiante.11
8Diário de Minas, [Belo Horizonte], p. 13, 21 out. 1951. 9Diário de Minas, [Belo Horizonte], p. 13, 21 out. 1951. 10Estado de Minas, [Belo Horizonte], p. 14, 21 out. 1951. 11 Cabe lembrar a influência e a repercussão dos estudos de Cesare Lombroso, criador da categoria “homem delinquente”. Embora seus trabalhos datem do final do século XIX, eles influenciaram muito o Código Penal brasileiro de 1940.Para Lombroso, a delinquência habitual era um fenômeno atávico: o criminoso integraria uma subespécie humana menos desenvolvida, gravada por desenvolvimento embriofetal incompleto. Daí, sua
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Ainda com relação a esse crime, aqueles dois jornais veiculam breves notícias em 8 de novembro de 1951, a respeito da transferência de Guaraci para a Casa de Correção, e apenas a Tribuna de Minas noticia o resultado de seu julgamento em 8 de fevereiro de 1952.
Antes de conhecermos o final da história, vamos consultar os autos judiciais. Após a instauração do inquérito policial, o delegado responsável mandou intimar a mãe, o menor, o acusado e três testemunhas. Do depoimento da mãe, ressalta-se o quanto já é conhecido o hábito de Guaraci de atrair menores para a prática de intercurso sexual: há 15 anos um seu sobrinho fora agarrado por Guaraci na Barroca e levado para um local ermo; um outro filho seu já havia sido agarrado por Guaraci; no bairro do Carmo, a fama de Guaraci era muito conhecida. A testemunha José Bento dos Santos identifica Guaraci como o mesmo autor de atentado ao pudor contra seu filho, à época com 9 anos, em 1946. Outra testemunha declara que, em 1949, flagrara Guaraci “abusando de um menor próximo a um campo de futebol no final da avenida Afonso Pena” (atual praça Milton Campos). Desses depoimentos se depreende que a área de atuação do acusado é extensa e que sua fama é reconhecida na cidade.
No dia 23 de outubro, Guaraci depôs nos seguintes termos:
que o declarante por vezes já foi conduzido a Polícia sendo que de todas elas o declarante era acusado de haver atraído menores para locais ermos desta cidade a fim de praticar com os mesmos o coito anal; que o declarante já foi processado nesta delegacia, não sabendo o declarante qual o desfecho do inquérito que foi remetido à Justiça; que o declarante sempre quando foi chamado à Polícia e perguntado a respeito dos atos que lhe eram atribuídos, negava a autoria dos mesmos e, quando confessava o declarante, afirmava que iria abandonar tais práticas e mudar-se da capital; que o declarante contudo nunca conseguiu deixar de atrair menores para locais ermos a fim de praticar com os mesmos o coito anal; que o declarante afirma que agora deixará esta cidade e não “se meterá com outras crianças pois o declarante não quer complicações com a polícia”; (…); que o declarante disse e reafirma que não mais entrará com menores em locais ermos (…).12
Antes de avançar na análise desse material, é necessário observar que o texto dessas declarações, sobretudo o do indiciado, é construído pela visão de um narrador na terceira
tendência à “loucura moral” na idade adulta. Médico, antropólogo e jurista, ele chegou a traçar os caracteres biológicos do delinquente “nato”: protuberância occipital, nariz torcido, lábios grossos, cabelo farto, traços similares ao do macaco, órbitas grandes, testa fugidia, arcos superciliares excessivos, zígomas salientes, arcada dentária defeituosa, mãos grandes, anomalias dos órgãos sexuais, orelhas grandes e separadas, insensibilidade à dor, tendência à tatuagem, cinismo, vaidade, crueldade, falta de senso moral, caráter impulsivo, tendência à reincidência… Comumentemente, muitos desses traços eram associados automaticamente a indivíduos negros, como o foram a Febrônio e Guaraci.
12 Autos judiciais contra Guaraci do Nascimento. Maço 36, 3a Vara Criminal, 22/10/1951, p. 7-8.
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pessoa do singular (no caso, o escrivão de polícia), o que não assegura que de fato o depoente tenha dito expressamente aquilo que consta na declaração que ele próprio assina, mas algo próximo.13 A situação é compreensível, seja pela prática constante do escrivão de retomar a fala oral e dar-lhe uma forma mais sistematizada dentro do padrão linguístico culto, seja pelo constrangimento para depor, tanto para o familiar do menor quanto para o adulto indiciado. Além disso, a intermediação do escrivão não impedia ao delegado – pelo contrário, facilitava – introduzir, no texto do depoente, palavras ou expressões não utilizadas no depoimento e talvez julgadas mais adequadas ao contexto ou à produção de provas contra o investigado. De qualquer modo, a redução a termo das declarações de Guaraci, em contraface com o teor de outros processos, ajuda a revelar as teorias, os conceitos, as ideologias e a mentalidade da época.
Do extrato do depoimento de Guaraci, pode-se confirmar certa veracidade da memória da imprensa a respeito da reincidência do indiciado: ele relata que já fora investigado, mas que não sabia o desfecho do inquérito.14 Além disso, confirma a recorrência de suas ações e indiretamente reafirma a impossibilidade de interromper o ciclo de suas práticas, apontando subliminarmente para o estado doentio em que se encontra.
Ainda se pode depreender do texto de Guaraci certa postura de humildade, seja no momento em que confessa o ato em si, seja pela declaração constante de que não irá reincidir, como se fosse uma estratégia retórica para se resguardar do peso da acusação. O reconhecimento de que já fora encaminhado à delegacia várias vezes pelo mesmo motivo indica que o indiciado já está habituado ao rito inquisitorial da polícia, como se lhe fosse fácil e seguro inserir em sua fala, com certa frequência, a promessa de mudar de cidade ou de não voltar a se encontrar com menores em locais ermos. Enfim, apenas alguém com largo histórico
13 Por exemplo, é muito pouco provável que Guaraci, devido a sua inserção socioeconômica e à baixa condição letrada, tivesse dito que atraía menores para locais ermos a fim de praticar o coito anal. Isso é possível de ser interpretado, pois, no mesmo depoimento, o escrivão coloca aspas para mencionar diretamente certas expressões de Guaraci, como se fizesse questão de distinguir o discurso do depoente do seu, estabelecendo então a distância narrativa: “que o declarante no quarto em que dorme naquela construção chamou Antônio e lhe disse „vamos meter?‟ havendo o menor ficado surpreendido e perguntado ao declarante o que era meter havendo o declarante lhe dito que meter era „tirar o pau‟ e „fazer‟ dispondo-se o declarante a mostrar ao menor o que „era meter‟ (…)”. (Autos judiciais contra Guaraci do Nascimento. Maço 36, 3a Vara Criminal, 22/10/1951, p. 7-8.)
14 Mesmo que a folha de antecedentes use o termo “processado”, é possível concluir que, desconhecido o desfecho do inquérito, ela errou: só é processado o investigado cujo inquérito foi convertido em ação penal.
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policial e confiança em se salvar entremearia à sua fala promessas que não conseguiria cumprir, pelas mesmas razões que justificavam sua alta reincidência.
Isso fica ainda mais notório quando a folha de antecedentes de Guaraci é anexada aos autos, a pedido do delegado responsável pelo inquérito.
Folha de antecedentes de Manoel do Nascimento, ou Manoel Nascimento Filho, ou Guaraci do Nascimento, vulgo Zequitique (sic), Bacalhau ou Guará, filho de Bernardino do Nascimento e de Maria do Nascimento ou Cecília do Nascimento, com 35 anos de idade, natural de Barra Mansa – RJ.
Folha n. 456 Prontuário n. 144.741 Registro geral n. 97.172
De 28/08/1931 a 17/05/1944 foi conduzido à Polícia desta Capital, por 13 vezes, sendo: por atentado à moral, 3; para averiguações, 6; por pederastia ativa, 2; e para legitimação, 2; ainda em 29/08/1931 foi identificado para fins de legitimação.
Em 23/05/1932 foi conduzido à Polícia por suspeita de furto, nada ficando apurado. Em 18/05/1944 prestou declaração perante o Delegado de Vigilância Geral, nesta Capital, sobre prática de pederastia ativa, com menores.
Em 09/1946 – praticou nesta Capital o delito de atentado ao pudor de que foi vítima José Bento Filho, tendo sido processado; o processo respectivo foi remetido ao Juízo competente em 07/07/1947. Nada mais consta em seu prontuário
Belo Horizonte, 24 de outubro de 1951.15
Os dados da folha de antecedentes esclarecem uma situação mais próxima da realidade com relação à vida pregressa de Guaraci. Primeiro, permitem confirmar que aquele Manoel do Nascimento de 1934 é o mesmo Guaraci e que, em decorrência disso, ele tem registro policial desde aquele ano; na verdade, desde 1931, quando tinha 15 anos de idade. Com relação ao seu nome, verifique-se a variedade de antropônimos utilizados, muito provavelmente para tentar despistar a polícia. Ainda sobre a identificação, observe-se o significativo apelido, corruptela de Zé que te quer. Ele pode indicar a dimensão do quanto Guaraci é reconhecido por suas preferências sexuais.
Segundo, os registros da Folha criminal confirmam aquele número do repórter do Diário de Minas: aproximadamente 20 passagens pela polícia, reunindo o período entre 1931 e 1947. É necessário chamar a atenção de que o dado da imprensa é anterior à anexação da folha de antecedentes aos autos, o que permitiria pensar que a memória da imprensa se sustenta
15 Autos judiciais contra Guaraci do Nascimento. Maço 36, 3a Vara Criminal, 22/10/1951, p. 20.
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sobre outros artifícios que não necessariamente os dados policiais ou os do próprio arquivo do jornal. Isso leva a supor, com certa segurança, que o jornalista que preparou aquela matéria é experiente na cobertura de notícias policiais e com longa trajetória na imprensa mineira, haja vista que o Diário de Minas teve sua circulação interrompida em 1930 e retomada em julho de 1949. Ou seja, o jornal não tinha um arquivo disponível para consulta, mas quem preparou a reportagem precisou se basear na larga experiência, inclusive em outros órgãos de imprensa, e na própria memória, além, naturalmente, da experiência de policiais que serviram como informantes para a matéria.
Em terceiro lugar, a folha de antecedentes de Guaraci permite especular sobre a existência de um processo em seu desfavor, cujo desfecho não é esclarecido. Trata-se de um caso anterior de atentado ao pudor contra um menor, em setembro de 1946, cujo inquérito policial foi remetido ao juiz em julho de 1947.16 Ao que tudo indica, o menor era filho de José Bento dos Santos, testemunha de Isabel Pereira no processo em questão. Naquela época, José Bento representara Guaraci à polícia, juntamente com outras duas mães que tinham filhos na mesma situação. Em seu depoimento, José Bento esclarece que Guaraci fugira naquele momento.
Ainda para ajudar a construir o perfil de Guaraci, vejamos parte do resultado da investigação da vida pregressa do indiciado pelo investigador Acácio Andrade:
é conhecido em todos os bairros da Capital como elemento de má conduta e incorrigível na prática de pederastia ativa. Na prática de seus crimes dá sempre preferência a crianças de certos tratos. Quando mesmo consegue algum serviço dá preferência ao encargo de rondante de construção, para assim conseguir com mais facilidade vítimas para seu ato criminoso.17
O investigador levanta a suspeita de que a escolha da profissão de Guaraci – rondante de construção até 1951; auxiliar de pedreiro em 1934, como já vimos – tem certa premeditação para facilitar o acesso ao local para onde conduz as crianças ou adolescentes.
No relatório que o delegado Ivan Morais de Andrade preparou para encerrar a fase de inquérito policial e ensejar a deflagração de ação penal, em 31 de outubro de 1951, encontra- se uma razão para que Guaraci passasse ao largo da responsabilidade criminal ao longo de 20 anos:
16 Este processo não foi localizado para desarquivamento e leitura. 17 Autos judiciais contra Guaraci do Nascimento. Maço 36, 3a Vara Criminal, 22/10/1951, p. 25.
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Trata-se, efetivamente, de um homem que, há muito, devia estar encerrado numa prisão. Várias vezes a Delegacia de Costumes tem tido conhecimento de suas atividades criminosas e sabe bem o terror que ele infunde no meio de famílias que conhecem seus instintos bestiais. Infelizmente, porém, só uma vez, ao que consta de nossos arquivos, pôde agir contra ele. Das outras, os pais se recusam a fazer a representação regular que permitisse sua atuação.18
Nas ações relativas a crimes sexuais, em que o ofendido ocupa a posição do Ministério Público, a responsabilidade penal só pode ser imputada se a vítima maior de idade ou o responsável legal pela vítima menor de idade solicitarem a instauração de investigação. Como visto, em 1946, o primeiro responsável legal decidiu representar Guaraci, a fim de permitir o tombamento de inquérito policial. A segunda vez ocorreu com o caso em questão, em outubro de 1951. Mas essa prática não será uma constante, como ainda se verá.
O Promotor de Justiça acatou a representação de prisão preventiva feita no relatório policial e denunciou Guaraci do Nascimento pela prática de atentado violento ao pudor contra menor de 14 anos. Em 22 de janeiro de 1952, o réu é condenado ao cumprimento de quatro anos de reclusão na Penitenciária de Neves. No entanto, permanece na Casa de Correção até 4 de janeiro de 1953. Durante esse período, aprende o ofício de marceneiro. Em 5 de janeiro é transferido para a Penitenciária de Neves, onde cumpre o restante da pena, e é posto em liberdade em 16 de novembro de 1955.
Novas investidas de Guaraci do Nascimento
Os jornais voltaram a noticiar sobre Guaraci em agosto de 1958, apesar de novo processo ter sido instaurado contra ele no ano anterior. Desta vez, o conhecido Zéquitiqué desencadeará uma ação mais escandalosa. Em 12 de abril de 1957, o diretor do Colégio Marconi, Geraldo Jacinto Dutra, encaminha uma carta ao Delegado de Costumes na qual relata averiguações procedidas com alunos do colégio e acusa Guaraci de desviar durante o horário de aula duas crianças do sexo masculino, uma do curso primário e outra do 1o ano ginasial, e levá-las para sua casa a fim de corrompê-las física e moralmente. No próprio ofício recebido, o delegado Domingo Henriques Carlos da Silva determina a abertura de inquérito,
18 Autos judiciais contra Guaraci do Nascimento. Maço 36, 3a Vara Criminal, 22/10/1951, p. 28-29.
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intima o representante e o representado a prestarem declarações e já encaminha o acusado para a realização de exame de sanidade mental.
A 23 de abril Guaraci é detido e confessa que
senteterrível atração por meninos, já havendo sido condenado por crime de atentado violento ao pudor, havendo cumprido a pena na Penitenciária Agrícola de Neves; que, entretanto, apesar de já haver sido condenado por tal motivo, o declarante, segundo afirma, ainda continua a sentir terrível atração por meninos, não os podendo ver que lhe dá vontade, segundo declara, de com eles manter o coito anal; (…) que o declarante afirma estar arrependido de seus atos, porém não resiste a meninos, sentindo por eles, segundo declara, verdadeira atração; que, efetivamente, há poucos dias conseguiu, sob promessas, levar ao seu quarto meninos que estudam no colégio Marconi, cujos nomes não se lembra, onde com eles praticou o coito anal; julga estar doente e precisa mesmo sair desta Capital, de levar vida decente e normal, como os outros homens. (…)19
São notórias a ausência da estratégia de demonstrar humildade ao delegado, tão demarcada em 1951, e a recorrência no apontamento de seu estado doentio, qualificado com as expressões „terrível‟ e „verdadeira‟ atração.
Dois dias depois Guaraci é encaminhado ao Hospital Raul Soares, onde é submetido a exame de sanidade mental realizado pelo médico psiquiatra e neurologista Antônio Macedo. O laudo do exame é o seguinte:
De acordo com a solicitação n. 187/57 da Delegacia de Costumes, procedi a exame neuropsiquiátrico do indivíduo Guaraci do Nascimento, acusado de crimes de atentado violento ao pudor, tendo observado que o paciente revela uma indiferença afetiva marcada, falta de julgamento, idéias de perseguição e de influência, tendo ademais elicitadoa presença de alucinação visual e auditiva pouco após a morte da mãe, ocorrida há mais ou menos sete anos. Os vizinhos têm inveja do paciente e acham que ele é mais importante que eles, – isto dito pelo paciente identifica os delírios de grandeza e perseguição. A função intelectual está preservada e o paciente confirma ter praticado atos de homossexualidade, mas com crianças de 12 e 15 anos.
A minha impressão é de que o paciente é psicótico, sofrendo esquizofrenia paranóide com componente anti-social de perversão sexual.
O paciente é incapaz de julgar ou apreciar a extensão dos seus atos, quando sob a influência da crise psicótica, o que exige a sua internação e tratamento como medida inicial de prevenção.
Atesto e dou fé do supra exposto.20
19 Autos judiciais contra Guaraci do Nascimento. Processo 175/57, 14/05/1957, p. 5. Grifos nossos. 20 Autos judiciais contra Guaraci do Nascimento. Processo 175/57, 14/05/1957, p. 8-9. Grifo nosso.
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Pelo menos dois elementos se destacam no laudo médico: o perito se refere à confusão, deliberada ou não, entre pedofilia e homossexualidade. Até este inquérito, em nenhum momento Guaraci do Nascimento é referido como pedófilo, termo que já existia no campo médico-psiquiátrico e jurídico. No entanto, é-lhe atribuída „prática homossexual‟ como se fosse sinônimo de atentado violento ao pudor contra menores.
O segundo ponto refere-se à conclusão médica, mesmo com a aparente superficialidade do exame: um estado polarizado entre a indiferença afetiva e os delírios de grandeza e de perseguição, apontando para a esquizofrenia paranoide e uma provável explicação para a ocorrência de outras duas identificações nominais de Guaraci – Manoel Nascimento e Manoel Nascimento Filho, como se as duas denominações fossem desdobramentos da personalidade do indiciado.
A pedido do subinspetor da Delegacia de Costumes, o investigador Antonio Radicchi apura a vida pregressa de Guaraci. Em sua breve pesquisa, conclui com a seguinte informação: “O sindicado é elemento contumaz na prática delituosa supracitada, sendo conhecido por toda polícia mineira. Tem o apelido de Guará, é católico, não fuma, não faz uso de bebidas alcoólicas e não joga. Sua diversão predileta é o futebol”.21 É curioso que a redação do policial faz contrabalançar um delito contumaz – a pederastia – com a ausência de outros vícios – fumo, bebida e jogo de azar. Além disso, aponta sua diversão voltada para o futebol, o que, articulado aos depoimentos dos funcionários do colégio Marconi, permite esclarecer a forma que Guaraci utiliza para atrair as crianças: iludi-las com a oferta de bolinhas de gude, camisas de futebol, bolas e outros brinquedos.22
O relatório do delegado, em 8 de maio de 1957, sugere a seguinte medida:
Tipo do livro Barão de Lavos, de Abel Botelho.
Indivíduo asqueroso, pustulento moral, maltrapilho e beócio, vive assediando as crianças escolares e com elas se entretendo em brinquedos de gude ou “pirosca” e ganhando suas confianças as levando para seu quarto para, com elas, entrar em praticas libidinosas. Já foi condenado pelo mesmo crime e é egresso da Penitenciária das Neves, onde cumpriu sua pena de
21 Autos judiciais contra Guaraci do Nascimento. Processo 175/57, 14/05/1957, p. 10. 22 A prática adotada por Guaraci não é novidade. Em março de 1955 já fora noticiada a forma que Antônio Silva, conhecido como Vigilante, utiliza para atrair menores e seduzi-los: servindo-se de sua função de instrutor de futebol, oferece aos menores bolas, chuteiras e outros apetrechos, conduzindo-os a sua casa para entregar os presentes e manter alguma forma de intercurso sexual. Em outubro de 1958, Antônio Silva volta a reincidir com a mesma atividade de instrutor de futebol de crianças.
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reclusão. Urge uma medida de exceção e drástica contra ele e que é a medida de segurança.23
Nessa passagem do relatório, o delegado tenta ilustrar seu texto com certo verniz literário, aproximando Guaraci da personagem pederasta criada pelo português Abel Botelho. Mas na linha abaixo o verniz é arranhado pela série de atributos acumulados e dirigidos ao indiciado. Ao final, uma medida similar àquela prevista para Febrônio – o encerramento de Guaraci em um manicômio judiciário. O Ministério Público acata o relatório e opina por sua internação por dois anos, como medida de segurança, para tratamento no Manicômio de Barbacena.
No entanto, antes da instauração do processo penal e da oitiva das testemunhas, das vítimas e do indiciado, os pais dos dois alunos do Colégio Marconi desistiram da propositura da queixa, muito provavelmente por temerem algum prejuízo moral por parte dos filhos no futuro. Por conseguinte, Guaraci foi solto.
A essa altura, há uma lacuna no processo judicial entre 28 de maio de 1957 e 12 de setembro de 1959. Esse período pode ser preenchido, em parte, pelas notícias de jornais: em 2 de agosto de 1958, dois diários publicam matérias sobre a prisão de Guaraci, conduzido ao mesmo delegado de Costumes que sugerira a imposição de medida de segurança contra ele: agora era acusado de abusar de um menor de 6 anos, no dia anterior, no Gutierrez.
Porém, nova lacuna temporal, desta vez na imprensa, não permite saber o que sucedeu a Guaraci. Apenas em 16 de setembro de 1959 o fio é retomado com o relato, pela Folha de Minas, de nova detenção de Guaraci, mais uma vez acusado de atentar contra a integridade, desta vez, de aproximadamente 20 jogadores mirins de futebol, com idades variando entre 8 e 13 anos, na Gameleira e no Padre Eustáquio.
A partir dessa nova ocorrência, a persecução penal volta à cena, estabelecendo como sequência o depoimento prestado por Guaraci ao Delegado de Costumes da época, Mário Pinto Corrêa, em 14 de setembro de 1959. Em longo e detalhado depoimento, ele narra a série de garotos abordados e seduzidos com a promessa de receberem brindes de futebol ou valores em dinheiro que oscilavam entre 15 e 20 cruzeiros. As práticas sexuais variam entre o coito
23 Autos judiciais contra Guaraci do Nascimento. Processo 175/57, 14/05/1957, p. 15. Grifo do autor.
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interfemural e o anal. Ao final do termo de declarações, nova promessa de recuperação por parte do indiciado:
que esclarece que, quando vê a Rádio-patrulha empreende fugas sistemáticas, razão por que é sempre trancafiado; que “corre da RP porque tem medo que ela o prenda por causa do que costuma fazer com os garotos”, segundo suas próprias expressões; que, saindo da cadeia, pretende andar direito e, para tanto, vai-se daqui; que, se for colocado num veículo, poderá, perfeitamente, identificar e apontar o endereço residencial dos garotos a que já se referiu, principalmente os do Progresso [atual Padre Eustáquio].24
O delegado Corrêa prepara seu relatório, encaminhando-o ao Ministério Público em 8 de outubro de 1959 com a sugestão de decretação de medida de segurança de internação, “levando-se em conta que o indiciado tem por hábito se acercar de meninos de condição social e cujos pais estão bem financeiramente, não desejando, com muita razão, um inquérito”.25
A partir daí o processo sai da alçada policial e entra na esfera judicial, iniciando uma ciranda inacreditável. Ainda em outubro de 1959, o promotor de justiça confirma o pedido de imposição de medida de segurança e solicita a instauração de novo incidente de insanidade mental (o laudo anterior era de 1957). Em abril de 1960, sem ter em mãos o exame solicitado pelo promotor, o 1o Juiz de Direito da 3a Vara Criminal determina, como medida de segurança cautelar, a internação de Guaraci no Manicômio Judiciário de Barbacena por quatro anos. Nessa altura do processo não há registro do que ocorre, mas se supõe que Guaraci consegue fugir, pois em 13 de setembro daquele ano é expedido um mandado de prisão contra ele. Ele é recapturado em 10 de novembro de 1960, pois no dia seguinte o Estado de Minas divulga sua prisão.
A partir desse momento, Guaraci cai em um limbo judiciário. Do Depósito de Presos, já em funcionamento no bairro Lagoinha, ele é transferido para a Penitenciária Central (futura Dutra Ladeira). Em fevereiro de 1962, o advogado de Guaraci impetra pedido de habeas corpus, indeferido em julho devido à “periculosidade presumida” e à corrupção moral do requerente. Além disso, o juiz define que o tempo de cumprimento de sua medida de segurança passaria a ser contado apenas a partir da internação de Guaraci em Barbacena. Em junho de 1962, o escrivão da 3a Vara Criminal informa ao juiz que até aquela data Guaraci não havia sido encaminhado ao Manicômio. Em dezembro de 1962, o juiz Carlos Mendes requer
24 Autos judiciais contra Guaraci do Nascimento. Processo 175/57, 14/05/1957, p. 25. 25 Autos judiciais contra Guaraci do Nascimento. Processo 175/57, 14/05/1957, p. 29.
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novamente a realização do exame de sanidade mental do detento. Em março de 1963 Guaraci tem seus exames realizados no Instituto Raul Soares, entre eles os testes de Rorschach, Binet- Terman, QI. Do laudo médico, assinado pelos médicos José A. Moretzsohn e Alcides de Almeida em 23 de março de 1963, destacam-se duas passagens:
Anamnese e exame psíquico – Apresenta-se o periciado, ao exame, em atitude calma, informando bem sobre os fatos relacionados com a sua condenação na Justiça, procurando justificar a sua conduta anti-social, verificada anteriormente, dizendo-se agora regenerado e insistindo muito para que nós peritos o protegêssemos no seu desejo de voltar ao convívio familiar e social.
(…)
Diagnóstico: oligofrenia, em grau de debilidade mental. Perversão sexual (pederastia ativa, preferencialmente com menores de idade).
Apreciação médico-legal: trata-se, o presente caso clínico, de um oligofrênico, pervertido sexualmente (pederasta ativo). A sua condição de oligofrênico, isto é, de indivíduo patologicamente liberado, vem influenciando no transcurso de sua conduta pessoal, dando margem à ocorrência de uma série de delitos com menores, de natureza sexual. Assegurar através de um exame de sanidade mental, se a sua conduta no futuro será ou não anti-social, não é possível. O bom senso, entretanto, nos aconselha que o periciado não está ainda em condição de voltar ao meio familiar e social, de maneira plena, pois o defeito constitucional de que é portador é irreversível. A liberdade vigiada, realmente vigiada, em caráter de experiência, é uma sugestão [grifo nosso] que fazemos.
A desvirilização, por hormônios sexuais do sexo oposto, e a castração preventiva, observada no Código Penal de alguns países europeus e americanos, atentam contra os direitos humanos universais, e nos repugna em sua prática, além de ser contrária ao que preceitua a nossa legislação, em vigor.26
No primeiro momento, é visível a retomada da conduta anterior de reconhecimento do erro e promessa de regeneração. Tal ação pode estar relacionada ao déficit mental, comprometendo o comportamento intelectual, e à repetição característica de indivíduos que não possuem clareza sobre a quem se dirigem. Seja diante do delegado, seja do médico, Guaraci sabe estar frente a uma autoridade constituída, mas parece não possuir capacidade de discernimento do grau de poder e decisão constituídos. Assim, repete a mesma „oração‟.
Outra informação interessante é o fato de os médicos, mesmo sabendo da ilegalidade de certa ação, levarem em conta a desvirilização e a castração como formas de solução para o problema social que Guaraci acarreta. A sugestão feita é a de liberdade vigiada, realmente
26 Autos judiciais contra Guaraci do Nascimento. Processo 175/57, 14/05/1957, p. 69.
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vigiada, conforme grifos dos profissionais de saúde. Mas, ambiguamente, é como se emitissem uma segunda informação: caso a vigilância não seja suficiente ou eficiente…
Com o exame em mãos, em 8 de maio de 1963, o titular da 8a Promotoria de Justiça sustenta que a medida de segurança impõe dois anos de reclusão em manicômio judiciário. Assim, mesmo tendo ficado detido até o momento em uma penitenciária, e face aos resultados dos exames, que atestam sua periculosidade, Guaraci não cumpriu tal medida, sendo necessária sua transferência para um manicômio. Em agosto daquele ano, o juiz ordena a execução da medida de segurança e a imediata transferência de Guaraci para Barbacena.
A partir daqui, a ciranda judiciária se torna frenética e angustiante para Guaraci. Em outubro de 1963, é solicitada providência ao Diretor da Casa de Correção para a remoção do preso. O diretor esclarece que tal só se faz mediante entendimento direto entre o juiz e o Secretário de Interior e Justiça. Os entraves burocráticos, a partir de então, são atravessados, em março de 1964, pelo pedido de revogação da medida de segurança, feito pelo advogado de Guaraci, devido ao fato de o tempo de detenção ser maior que o prazo estabelecido na medida. Em março de 1965, a 2a instância decide pela manutenção da medida de segurança. No mês seguinte o diretor do Manicômio informa ao juiz não dispor de carro para a transferência do preso. Em maio de 1965, Guaraci impetra novo pedido de habeas corpus, por sua vez, indeferido.
Novo giro da ciranda leva o processo para setembro de 1966. Guaraci ainda está na Casa de Correção e seu advogado impetra novo habeas corpus, sempre com base no argumento de que o preso está “sofrendo constrangimento ilegal em sua liberdade de ir e vir”. Ao analisar esse pedido, em abril de 1967, o Subprocurador do Estado opina pelo deferimento da revogação da medida de segurança dado o transcurso de dois anos após a realização do exame, tempo pelo qual Guaraci deveria ficar mantido no Manicômio. A Câmara de Desembargadores decide pela realização de novo exame de sanidade mental para verificar a cessação da periculosidade do detento. O diretor da Casa de Correção apresenta parecer favorável à revogação da medida de segurança, uma vez que Guaraci não demonstrou possuir “vício ou maus costumes, sendo diligente e atencioso”. Não parece surreal? Muito provavelmente ele poderia manifestar “vício ou maus costumes” se estivesse em contato com crianças ou adolescentes, mas não com adultos, aos quais seu interesse libidinal não é dirigido.
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Encaminhado novamente ao Instituto Raul Soares para realização de exame de sanidade mental, Guaraci recebe o seguinte laudo, com várias inconsistências – desde a idade apontada para Guaraci até o fato de o médico basear seu laudo em depoimento da escolta do preso ou apenas em entrevista com Guaraci:
Laudo médico
Guaraci do Nascimento, 39 anos, solteiro, trabalhador braçal, preso há 11 anos em Neves.
Histórico: O paciente informa que foi condenado por estupro. Todavia, o acompanhante, funcionário da Casa de Correção, informa que o mesmo está preso por furto, sendo ladrão inveterado e roubando até de seus companheiros de cela.
Quanto a problemas mentais, o paciente informa que nada sente. Nega ainda uso de bebidas.
Não sente nervosismo, e afirma executar satisfatoriamente suas funções em Neves.
Nega doenças mentais nos familiares.
EXAME OBJETIVO: nada revelou de anormal no paciente. Concluímos, pois, ser o paciente portador de personalidade psicopática, sem alienação mental, com tendência de furto (cleptomania).
Belo Horizonte, 23 de janeiro de 1968.
Dr. Luiz Augusto Ribeiro Dr. Ivan Ribeiro da Silva – pelo Diretor do Instituto Raul Soares27
Na ausência de certificação de dois peritos, o juiz manda retornar o laudo ao Instituto para que a omissão seja sanada. Recebendo-o novamente, o juiz conclui que os dois laudos – os de 1963 e 1968 – são conflitantes, ordenando o retorno dos autos à Promotoria.
Novo giro perturbador da ciranda remete os autos a janeiro de 1970, quando novo juiz consulta o Diretor clínico do Instituto Raul Soares sobre a possibilidade de submeter Guaraci a novo exame de sanidade mental. A resposta esclarece ser impossível devido à suspensão desse serviço por causa da reorganização do órgão. Em abril do mesmo ano, o Diretor de Organização Penal informa que Guaraci ainda está relacionado na lista de internação do Manicômio e deve aguardar autorização de matrícula (informação constante dos autos em 1963). Em agosto de 1971, o novo diretor do Departamento de Organização Penal determina que Guaraci fará novo exame na Penitenciária de Mulheres Estêvão Pinto.
27 Autos judiciais contra Guaraci do Nascimento. Processo 175/57, 14/05/1957. Grifos nossos.
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Finalmente, desta vez parece ter sido feito um exame minucioso e prolongado. Com data de outubro de 1971, eis a conclusão do laudo:
Guaraci Nascimento
Foi submetido ao teste HTP (House, Tree, Person), organizado por John Buck para diagnóstico psicológico.
Apresenta-se como indivíduo que reage de forma direta aos impulsos. Observou-se a existência de sinais de deficiência mental que, associada a um grau elevado de Primitivismo Cultural, condicione o paciente a comportamentos imaturos.
Também na área sexual ficou evidenciado o predomínio da vida impulsiva, que o leva a procurar a satisfação sexual em objetos imaturos. Ficou assim positivado suas características “pedófilas” (sic). Tendo-se em vista tais características pôde-se verificar tratar de indivíduo com desenvolvimento da Personalidade e Intelectual incompatível característico dos portadores de déficit mental congênito-moderado.28
Face ao resultado do laudo, ao longo período de detenção e ao último pedido de habeas corpus, de 1966, ainda sem julgamento, o juiz da 1a Vara Criminal Rubem Miranda deliberou, em 25 de fevereiro de 1972, pela soltura de Guaraci do Nascimento, baseando-se no seguinte arrazoado:
Entendo que a medida de segurança não se cumpriu. Não foi possível o tratamento ordenado no Manicômio de Barbacena, nestes longos anos de prisão.
Prefiro – a esta altura -, o bom “comportamento carcerário”, à conclusão dos laudos.
Nada vale diagnóstico, sem medicação adequada. Este tratamento, o Estado se nega a fornecer.
Com estas razões, reconhecendo, embora, a zelosa posição do Ministério Público, através dos ilustres Promotores do processo, mas, atendendo a que Guaraci do Nascimento está preso desde 1960, “aguardando vaga” para seu internamento; considerando que sua prisão não pode permanecer indefinida no tempo e no espaço; tendo em vista seu bom comportamento na prisão; atendendo, por último, a que a medida de segurança não aplicada no período de cinco anos se extingue, em face do art. 87 do Código Penal, declaro extinta a medida de segurança e mando que se expeça a favor de Guaraci do Nascimento, o competente alvará de soltura.
Custas pelo Estado.29
No dia 2 de março de 1972 o alvará de soltura foi expedido e Guaraci foi posto em liberdade. A ciranda do Judiciário, enfim, foi interrompida, autorizando algumas leituras incômodas: leniência do aparato médico-psiquiátrico e policial para o cumprimento de
28 Autos judiciais contra Guaraci do Nascimento. Processo 175/57, 14/05/1957. p. 126. 29 Autos judiciais contra Guaraci do Nascimento. Processo 175/57, 14/05/1957.
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decisões judiciais; morosidade do Judiciário para fazer cumprir suas próprias deliberações; certo despreparo da instituição psiquiátrica responsável pela execução do exame de sanidade mental; desrespeito a direitos do detento, mantido sob custódia do Estado em local inadequado; mais de uma década perdida paraGuaraci, sem que nenhuma medida tivesse sido tomada para iniciar seu tratamento psiquiátrico.
Onde andará Guaraci do Nascimento?
Quase dois anos depois de sua soltura, em 27 de janeiro de 1974, uma notícia trouxe a público nova incidência de Guaraci:
Tarado
O Guaracy do Nascimento, 55 anos, tarado, não perdoa qualquer menino que passa pela sua frente. Vai logo pondo a Mao e chamando para o seu quarto, onde até tem uma porção de brinquedo que é para distrair a criançada. Ontem, uma senhora, que mora no bairro Santo Antônio, viu o Guaracy levando seu filho de dois anos para o quarto e foi atrás. Quando chegou lá, os brinquedos estavam espalhados, o menino assustado e o tarado tava daquele jeito. A dona pôs a boca no trombone e logo chegou a RP-32, do cabo Gilberto,que nem conversou, enfiou o moço na gaiola e o transladou para a Delegacia de Plantão.30
A respeito dessa ocorrência nada mais foi divulgado e, ao que parece, o fato não gerou ação criminal.
Mais tarde nova ação penal será proposta contra Guaraci a partir de inquérito policial instaurado em 12 de dezembro de 1989, por ocasião do registro de notícia-crime pela mãe de um menor de 9 anos à 7a Seccional de Venda Nova, no bairro Rio Branco. O boletim de ocorrência, registrado em 1o de dezembro daquele ano, relata que a mãe, após procurar por mais de duas horas pelo filho, encontrou-o com outra criança de 7 anos no interior de uma construção, para onde foram conduzidos pelo rondante. Mais uma vez Guaraci é indiciado por atentado violento ao pudor. Em seu depoimento ele confirma seu ato e reconhece as informações constantes de sua ficha de antecedentes. Desta vez Guaraci confessa que manteve relações sexuais com os menores, como também afirma que pediu que os dois garotos mantivessem relações sexuais entre si na presença dele.
30O Jornal de Minas, [Belo Horizonte], p. 8, 27 jan. 1974.
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Apesar de o boletim de ocorrência datar de dezembro de 1989, apenas em setembro de 1990 a mãe do menor de 9 anos compareceu à delegacia para prestar seu depoimento. A mãe do menor de 7 anos foi intimada infrutiferamente quatro vezes e só após a quinta intimação se apresentou, no dia 26 de março de 1991, à delegacia. Ela alegou estar muito ocupada para atender às intimações e esclareceu que “não quer que a autoridade policial adote qualquer medida contra o ora indiciado, tendo em vista que o mesmo não fez nada com seu filho”31.
Em 4 de abril de 1991, a delegada da 7a Seccional apresentou seu relatório e esclareceu que nenhuma das mães conduziu seus filhos ao IML, com a guia emitida por aquela delegacia, para exame tendente a averiguar a existência de sinais de violência sexual. Uma alegou que à época estava no período final de gravidez e, após o parto, ocupada com os cuidados do recém- nascido. Acrescentou ainda que perdera a guia de encaminhamento. A outra mãe alegou falta de tempo e descrença quanto ao que aconteceria com o indiciado.
Em 12 de abril de 1991, o 90o Promotor de justiça requereu ao juiz o arquivamento do inquérito, baseado na declaração da mãe do menor de 7 anos que manifestara interesse de não registrar queixa contra Guaraci “por achar que o mesmo não ficaria preso”.
Em 15 de abril o juiz arquivou o processo.
Este foi o último registro que encontrei de Guaraci do Nascimento. Para mim, é muito irônico que a mulher que se recusou a registrar queixa contra ele tenha se baseado na opinião cética de que ele não permaneceria preso. Ela tem e não tem razão, como a história comprovou. O interessante é que sua intenção de não levar à frente a persecução penal não é motivada pela proteção moral ao filho, como outros pais o fizeram no passado, mas pela impressão de que nada mudará o curso das coisas: nem a sua iniciativa de denunciar, nem a da polícia, de prender.
De 1934, data da primeira divulgação pela imprensa de um de seus delitos, até 1991, quando do encerramento do último feito de que se tem notícia contra ele, Guaraci expõe as diversas falhas das malhas de um sistema tecido pelos fios dos órgãos de competência judicial, policial, médica, psiquiátrica, social.
Ao longo de quase sessenta anos, a trajetória de Guaraci do Nascimento permite verificar a fragilidade do sistema policial belo-horizontino e das ações penais brasileiras: a
31 Autos judiciais contra Guaraci do Nascimento. Maço 132, Processo 688.534-8, 10/07/1990. p. 24
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demora das medidas policiais e penais; a conduta profissional duvidosa da atuação de profissionais da psiquiatria; a letargia do sistema penitenciário; a ausência de ações internas às penitenciárias para recuperar o detento; o descumprimento de prazos, todos esses elementos indicam o esgotamento de ações legais consideradas científicas para a atuação em casos semelhantes ao de Nascimento.
A desenvoltura com que Guaraci se move no cenário urbano leva a pensar, inclusive, nas consequências prejudiciais da ausência de uma memória construída ao longo do tempo pela experiência policial. Pelo relato do caso, pode-se perceber que o método do acusado não se alterou ao longo das décadas e que o reconhecimento de suas ações pela população se estendia por ampla área urbana. No entanto, mesmo tendo que cumprir procedimentos legais obrigatórios a cada ocorrência, a polícia parece reagir como se fosse a primeira vez que aquele indivíduo chegasse a um distrito. A atuação danosa de Guaraci não é detida de modo eficaz. Quando isso ocorre – período de detenção de 10 anos –, não se deve à eficiência do aparelho judiciário e penitenciário, mas a sua leniência. Isso, talvez, acabe por configurar a incapacidade da justiça e da polícia de lidar com a situação do relato apresentado. Por extensão, nos obriga a refletir sobre as instituições coercitivas e sua relação com a população de um modo mais geral.
Após 1991, perde-se o fio que conduz Guaraci do Nascimento no espaço urbano. Uma espécie de Febrônio ressurgiu em Belo Horizonte, sem as manifestações místicas, ritualísticas e homicidas do original, mas com um assombro ainda mais acentuado… mesmo que esse assombro tivesse sido atenuado pela força de crescimento da malha urbana ao longo de sua atuação e pela diluição desse personagem entre outras mazelas vividas pelas metrópoles.